segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Eis a questão.

Objetiva demais ela era. Cheguei exatamente às 9h, sempre fui muito pontual quando o assunto era de meu interesse. Abriu a porta, me convidou a sentar. Meia luz, no centro um jarro com três rosas vermelhas meio murchas, conhaque e dois copos. Conhaque e dois copos. Conhaque e tudo aquilo foi começando a me assustar. No canto esquerdo, junto da televisão, um porta-retrato com uma foto de Woodman e, ao lado, uma vela ajudava a clariar mais a sala. Tensão. Nunca me arrependi tanto da minha pontualidade, do meu interesse notório, da minha calça meio desbotada e daquela blusa: "eu comi a janis joplin", que ela não suportava. Tarde demais. Quando notei minhas mãos suadas, comecei a me movimentar, acendi um cigarro e coloquei dois dedos de conhaque no copo: virei. Ouvi alguns passos, estava chegando a hora. E ela me veio, como sempre linda, radiante, deslumbrante excitante impetuosa quente... é, era ela. Blusão vermelho, cabelo meio molhado nas pontas, descalça, sem brincos, nada. E nem precisava, era de uma força, uma presença. Me sorriu, sentou-se, colocou dois dedos de conhaque: virou! Levantou-se, foi chegando junto, testa com testa, face to face, era capaz de sentir sua respiração nos meus lábios, silêncio absoluto, era tudo aquilo o que eu temia, era tudo aquilo o que eu queria. E queria muito! E tive. Tive mais do que carecia, mais do que merecia: eu a tive por inteiro, por muito tempo, a consumi toda. E depois de tudo, nada. Nada mais existia, nem conhaque, nem velas, nem presenças, nem forças, nem a sala, nem a calça desbotada, nem janis, serguei, não existia, não tinha mais graça alguma aquela ansiedade toda, aquele nervosismo, aquela urgência. Tudo foi reduzido a um cansaço irremediável, uma vontade incontrolável de sair daquela sala, pegar toda minha roupa e fugir, sumir. Adeus! Nunca mais quero te ver, nem te tocar, nem sentir nada parecido com o que foi sentido hoje. É incrível como as coisas passam a não fazer mais sentido depois de alguns minutos, inexplicável a falta de vontade que você me causa, inexplicável você! Agora preciso descer, o elevador chegou.

sábado, 27 de dezembro de 2008

0504

Do décimo sétimo andar daquele prédio, sentada no tapete persa na frente da varanda, olhando todos aqueles outros prédios cheios de luzes acesas, e ao som de "the nigth I fell in love" da minha fase pet shop boys, eu poderia imaginar tudo que gostaria, na verdade aquele som me estimulava, me inspirava demasiadamente. Pensava num vinho doce, piso bem gelado e branco, meia luz, algumas velas e ele. Alguns diriam que eu quis pouco demais. Não! Isso era muito, era tudo. Você não sabe o que é se sentir intimamente em paz. Em equilíbrio não, em paz. Equilíbrio já me foi um objetivo na vida, mas hoje em dia só me remete a coisa estática, parada; em equilíbrio. Precisava me movimentar naqueles dias frios de solidão. Só os solitários sabem o que é sentir frio nesse calor de trinta e oito graus. Queria algo dinâmico, desequilibrado, desassisado, sem rumo. Onde eu seria o porto, o centro, a luz no fim do túnel! E existe sensação mais aprazível do que ser a solução? Eu nunca quis tanto ser o leito, o peito, o travesseiro pra você deitar. Eu tinha uma cama grande, onde caberia muito amor, num quarto também grande, onde caberia muita luz, ou muita escuridão, onde caberíamos nós dois inflados de orgulho, explodindo de raiva, transbordando paixão. E não haveria guarda-roupas, nem criado mudo, nem abajur, só uma janela imensa do tamanho da minha vontade de você, e nela também caberia nós dois juntos em pé de mãos dadas prontos para dar um começo a tudo àquilo que nunca teve um fim porque simplesmente foi impossível de existir. Prontos para o mundo, para a queda sem dor, porque juntos estaríamos imunes a qualquer sensação terrena, juntos seríamos virtude, ventura. Depois de cinco minutos e quatro segundos eu consegui acordar e me deparei com o silêncio na sala, algumas luzes daqueles prédios vistos da varanda haviam sido apagadas, no asfalto só podia ser visto alguns gatos e um mendigo ébrio gritando algo que pela distância se fazia incompreensível. Racionalizar tudo aquilo era doloroso demais, quase um sortilégio. Viver é um verbo árduo demais de se conjugar.

sábado, 20 de dezembro de 2008

"come put me out"



The body calls
Yeah, the body, it calls out
It whispers at first
But it ends with a shout...

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

the body burns, yeah, the body burns strong

Tinha certeza que precisava de algo mais inspirador do que sexo e vinho, precisava gastar toda aquela energia, aquele orgone cósmico preso em algum lugar na parte de dentro de si. Queria ser mais do que só matéria, carne, pulsar. Cansado dos fins, queria um contínuo. Ser eterno. Ser humano. Diante do espelho, todas aquelas curvas, aquele cabelo liso e preto, cílios salientes, boca seca. Era alguém, tinha certeza disso! Mais, queria mais. Queria botar pra funcionar tudo aquilo que habitava o seu íntimo, queria invadir e ser invadido por qualquer coisa que fosse, que se mexesse que desassossegasse que perturbasse, assim como uma tarde fria de céu nublado sem estrelas, assim como aquele silêncio mórbido de domingo, como aquele preto do fundo de um poço. Isso! Os vidros, precisava quebrar as vidraças. Ar, ar... respirar, vibrar ele queria. E num dia ensolarado a luz entraria e esquentaria e sentiria ele tudo aquilo que faltava. Necessidade! Necessidade sempre chega presa a um desejo, a uma falta, vontades. Sou cheio delas. E elas me dominam mais do que qualquer cérebro neurônio pensante sinapse dor. Nem a dor conseguia ser mais, ser forte. Nada me dominava. Era eu o subordinado do desejo. Ai, quanto prazer sentia ao satisfazê-lo. Gozei muito. E queria mais. Queria outro tipo de vínculo que não o carnal visceral saliva e suor. QUERO INSPIRAÇÃO. Me traga mais sal. Já chega de sexo e vinho. Já chega desse vapor barato que sai dos meus poros molhados de suor e prazer. Não quero mais mulheres do sexo feminino, quero mulheres de alma, de espírito. Quero seus seios quentes, quero ser o pai dos teus.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Castigo?

Um emaranhado de sensações, as piores possíveis. A angústia, o frio na barriga misturado com um enjôo interminável, remédios na cabeçeira da cama, vontade de não acordar nunca mais. Medo, ódio, raiva, tristeza: insegurança. Preferindo ser uma formiga no carnaval, do que ter que sentir na carne estas ausências orgânicas importantes. Vontade de ser pedra, diamante, distante, de atrasar um instante, voltar no tempo, remendo, cuidado, gozo. Tirar o gosto, adiar prazeres, ser mecânica, acordar, dormir, acordar...
Não percebendo o vento, o sol, estrelas, pessoas, olhares, esquecendo sorrisos, gostos, bocas, parando em esquinas, andando em contramão, sendo levada por uma correnteza sufocante, estressante, doentia, neurótica. Cadê o fim?

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Ao que fica.

Do movimentar das mãos, dos dedos, os cabelos, o vento, o vinho, um ninho, vazio. Das horas passando como se fossem segundos, a ânsia pelo futuro, o muro. O escuro que fica na vista cega da saudade que invade sem pestanejar a vida, a minha. Perdendo o rumo, o ônibus, a noção de tempo e espaço, o passo, o andar devagar de quem não quer passar, de quem gostaria de ficar ali, sentado, parado, pensando, sentindo, estático. Deixando escapar os vestígios das vontades, da saudade, dos desejos mais primitivos que antes reprimidos, mas agora claros, vistos a olho nu, na testa, na pele, no sorriso, no movimentar das mãos, dos dedos. Quem sabe, assim, os medos serão esquecidos debaixo daquele tapete amarelo, velho, pisado, cheio de rastros de vidas passadas, libertando apenas as coisas amadas, adoradas, aproveitadas, derramadas a esmo na mesa, na minha. Olho o tempo e contemplo e entendo que passa, que escapa das mãos como se fosse vento, como se fosse nada, mas é muito e muda e muito. E me prendo ao suor, as entranhas, as façanhas pra conseguir fazer parte do eu do outro, das tentativas inúmeras de querer ser inesquecível e ser, de fazer sentir o impossível, enxergar o invisível e quase invadir o outro por inteiro, num impulso derradeiro, cabal, fatal.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Temporada.

Outono, acho melhor a gente se dá um tempo, um intervalo, precisamos de descanço para poder abstrair o que vem acontecendo. Quero entender no que vamos dar um tempo, se é na relação ou na ausência dela. Se é na minha obsessão descabida de querer-te com títulos, com um nome que não talvez não mude nada, de querer-te com mais essa certeza dispensável, já que eu acredito que me amas e que te tenho em minhas mãos, não porque quero, e sim porque essa é a tua vontade. Ou se daremos esse breve, estimo, intervalo no teu pavor inconcebível em se entregar, em assumir estar preso pelos teus próprios desejos. E isso não seria amor, e seria. Amor não é aprisionar, e não aprisiona. Pessoas é que se deixam aprisionar. Mas não te preocupas, te prender não está na minha lista de vontades conscientes. Sei que és suficientemente sábio, que jamais se deixarias corromper por sentimentalidades, e menos ainda, nunca serias passivo a ponto de se ver trancafiado por uma coisa que nem, sequer, dá pra tocar, mensurar, quantificar, tampouco aprisionar. Outono, acho que o Inverno chegou e precisamos de algo que realmente possa nos esquentar.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

-

Tentar se expressar pela fala é mesmo coisa complicada. Pior que a gente tem a ilusão de que falando é mais fácil de fazer o outro entender, que falando os pensamentos se organizam e bibibi: mentira! Falar é bagunça, uma desordem verbal, isso quando são somos prolixos. Assisti um filme hoje que me fez 'arrepender' tanto das horas inúteis que eu passo no telefone falando explicando indo voltando construindo destruindo... nossa! Nem acreditei que eu, que tanto prezo pela fala, pela voz, pelo dito, e que não consigo, a não ser dormindo (e nem tenho la tanta certeza), ficar mais de 30min calada, aguentei mais de 1h sentada vendo apenas o corpo falar, expressões, rugas, movimentos, atitudes. Sério como parecia mais fácil, mais claro, e muito mais óbvio do que mil palavras. O filme foi Le Bal, de Ettore Scola. Bom, é isso, so queria atualizar e falar o que eu estive pensando sobre esse filme e sobre essa minha vontade incontrolável de querer explicar tudo da melhor maneira possível que acabo confundido a mim mesma beijos.

domingo, 31 de agosto de 2008

Away

Tô na TPM mental. E o melhor a se fazer nessa situação é ficar quietinha, pensar baixo, não sonhar, nem tomar atitudes por impulso. Manter a calma e acender incenso.

sábado, 23 de agosto de 2008

Quê?

Não acredito no findável, nas bolhas de sabão, nem em feridas, elas cicatrizam, um dia. Não acredito no interruptor, acende/apaga. Não acredito no rádio, prefiro a música, a voz, a mensagem; prefiro o que fica. Defendo a pedra, aquela pedra eterna que irriga as artérias e aortas, aquela pedra abstrata que embrulha barrigas alheias. Que domina pensamentos e atitudes friamente calculadas deliberadas, que simula loucuras, suicídios, vida. Prefiro o olhos fechados, os momentos guardados nas pálpebras, re-fazendo acontecimentos, camas redondas, espelhos no teto, poros, suor, sorrisos, ressuscitando cleópatras e plantando árvores. Isso é o que realmente fica, que cristaliza, e que me faz acreditar que só vivemos, de fato, quando lembramos.




Qualquer tentativa de se expor menos termina sendo frustrada, aqui nada é heterogêneo, é tudo do mesmo sexo. Aonde toda palha se transforma em agulha e qualquer toque seria fatal. Aqui os hormônios continuam na posição de réu. Beijos.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Leite.

Super tinha vergonha do que eu pensava, mas hoje em dia já dou minha cara à tapa. É, eu acho que vergonha é comum a todo mundo que escreve, assim, no início. Porque parece que você tá contando alí seu segredo mais íntimo. Aquele que até pro seu melhor amigo você só contaria à base de muitas drogas e sem lembrar nada do que disse no dia anterior. Mas é que você termina parindo tudo o que escreve. Hahahaha, exagerei no parindo. Mas é que me sinto mãe quando escrevo.

domingo, 17 de agosto de 2008

Addicted.

O que resta são os fatos, e algumas fotos. Os fósforos foram todos apagados, dos cigarros só ficaram as cinzas. Os medos? Ah, esses se foram junto com as roupas sujas, trancadas dentro daquela máquina na lavanderia. Os desejos estão na estante, agrupados por ordem alfabética, alguns com poeira em excesso em cima, outros amarelos de tão usados (desejados). As vergonhas estão de baixo da cama, óbvio. O perdão é tão leve que o vento levou, talvez esbarre em alguma pipa por aí.
A esperança é um rio, mas só se deve beber desse rio depois de todos os vícios. Os vícios são a salvação antes de recorrermos à esperança. Ela é a última, afinal. Por isso que ele escreve, é viciado nisso, e mesmo diante de todas as perdas, diante de todos os sentidos vivos em cima da mesa, ele prefere escrever a ter que se lamentar, prefere escrever a ter que sentir. Pra ele sentir é se perder, e ele prefere o vício à vida. Ele prefere deixar as roupas na lavanderia, não varre de baixo da cama, não limpa toda a estante, e deixa sempre as janelas abertas. O rio é muito longe de onde ele mora. Por isso que ele não existe, e o que fica, além de fatos, fotos, são as letras escritas pelo vento que entra sem cessar pela janela que ficou aberta depois de tudo. Fim.


(não sei o quê falta alguma coisa, mas...)

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Melhor não.

O escuro me dá medo, parece que não tem respeito por quem lhe deu a luz, parece que faz de propósito, pra enganar o próximo, seduz. É traiçoeiro, não respeita nem o travesseiro aonde deitam as cabeças com seus sonhos nus. Não quero escrever hoje, sério.

domingo, 10 de agosto de 2008

Fomos?

Domingo chuvoso, céu nublado, um sofá, almofadas, poeira, uns cds imorais numa instante antiga e duas vidas completamente distintas, ali, sentadas, confusas, cansadas. Compartilhando suas vontades, as mais íntimas, quem sabe, compartilhando alguns sonhos, algumas mentiras, compartilhando o sofá, a sala, o som. Dizer que eram vítimas do destino soaria clichê demais pra uma relação que fora friamente calculada pra ser e estar. Ali, sentadas naquele sofá. Tentativas frustradas de racionalizar as coisas, os copos, o outro. Melhor beber tudo de uma vez, engolir. Um mais interessado, o outro mais interessante. Um se entregando por entre as palavras que eram ditas sem querer, enquanto o outro se perdia por entre as partes desconhecidas do outro ser. Tão lindos, assim, vistos de longe. Não precisavam de mais nada, nem almofadas, cds, chuva, frio, nada. Só precisavam um do outro, e isso já tinham, de sobra. Talvez se tivessem até demais, não havia mais espaço pros dois, ali. Ou um ou o outro, ou os dois num só. Não sei o que decidiram. Mas imagino o que um escolheria, imagino. Não digo, íntimo demais pra algo que nem tenho certeza se sinto, nem se quero. Só dei das cores, do que elas me trazem, das vontades que delas nascem em mim, dos medos, e de algumas verdades verdes escondidas nas paredes da sala vermelha. Sei do cheiro, do dele, exclusivamente, dos pêlos, das ausências, das urgências que causo nele e que são causadas em mim. Sei do óbvio, do sentado, ali, no sofá, ao meu lado, calado, falando ininterruptamente coisas no pé de ouvido da minha mente tão mais presente. Quem diria que uma tarde aparentemente sem graça faria um bem enorme àquele espírito, àquele corpo que pensava estar perdido mas que se achou no Outro, no cheiro, no toque, no paladar, imaginar que fui quase-plena no plano mais simples do ser humano, nas circunstâncias demasiado estranhas, por entre a poeira e alguns cds imorais na estante. Eu fui.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Seria.

Júpiter seria uma ótima idéia.

domingo, 3 de agosto de 2008

01:43

Só restaram garrafas vazias e um cigarro prematuramente apagado. Nenhuma voz, apenas aquelas respirações fracas, aquele cheiro de vômito e algumas ressacas deitadas perto da piscina. Ninguém ali tinha alma, eram só as visceras, nada mais, nada além de distúrbios vasculares e respiratórios. Não tinham dignidade, tampouco vergonha. Os dias da semana serviam de descanso para eles, e os finais de semana um palco, para algo que nem sempre era recomendado para menores de dezoito anos, e nem para maiores: só para eles, e fim. Mantinham uma relação intersubjetiva indecifrável, um contato íntimo tão profundo, indescritível. Não chamavam de vida, chamavam manifestação, a manifestação do corpo, do desejo, e a religião era um tipo de neo-hedonismo, coisa estranha, nunca consegui decifrar. Pelo menos tinha certeza que eram bom no que faziam, parece que tinham nascido pra isso: a arte do prazer. E olhe que não é tarefa fácil, nem todos conseguem ter prazer como eles. As pessoas são duras, mecânicas, nem o sexo traz mais prazer, parecia mais um exercício pra diabéticos suarem. Porra, como desaprenderam a fazer sexo? Antigamente era tão prático, tão fácil, bastava algumas doses, alguém do sexo oposto (ou não) ali do lado, vontades, e um bom beco úmido e escuro. Mas hoje em dias as pessoas têm tanta pressa, tanto trabalho pra pouco dinheiro, tantas torneiras abertas para serem fechadas, luzes acesas esperando para serem apagadas, crianças perdidas deitadas esperando para serem cobertas por alguém que também queira contar histórias para elas dormirem, portas abertas, roupas sujas... e o tempo que parece muito é nada, parece até que é gasto em vão por entre os passos apressados, daqueles pés que pouco se encontram, dos neurônios que são queimados a cada piscar de olhos e menos. E a alma que ainda resta fica louca pra se pôr pra fora desses corpos cheios de engrenagens enferrujadas que esperam ansiosamente a chuva para se deitar. Queria ter nascido como eles, com vida.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Falta de ar.

Demorou um pouco pra atender o telefone. Talvez fosse medo. Não queria deixar transparecer o nervosismo, nem a ânsia quase incontrolável de querer verbalizar tudo que sentia, tudo o que pensava, tudo que via. Até pensou em atender e sair falando descontroladamente, sem vírgulas, sem pausas. Mas ela sabia que isso nunca funcionara, conhecia bem seus pontos fracos, e eram tantos que ela nunca ousou mudar, era melhor assim, pensava. Passava horas em frente ao espelho reproduzindo tudo o que gostaria de dizer, e tudo que gostaria de ouvir, inclusive. Se contentava com o silêncio do outro lado, os opostos se atraem, dizem, desligava satisfeita e sorridente, sempre. Era até cômodo, mecânico: Ligo, falo, desligo. Rotina, cotidiano, dia-a-dia. Mas hoje não, hoje eu vou atender esse telefone e vou respirar bem fundo, manter a calma, silenciar, tenho certeza que ele vai notar a diferença, vai até pensar que eu não gosto mais, que esse é o início pro fim. Olha, eu só queria dizer que eu cansei de flutuar, quero pisar no chão, quero o concreto, a matéria, a carne, cansei de prazeres líquidos, quero morder, mastigar, cuspir. Já consigo traduzir esse teu silêncio infindável, esse teu medo consciente de acreditar, de ter fé nas palavras, nas pessoas, nos sentimentos, tá me ouvindo? Pois é, é exatamente isso, e não, não precisa responder, só respira pra eu saber que me ouves, pra eu saber que aí do outro lado ainda existe vida, corpo, alma. Ah, caso eu te ligue de madrugada, não me atende, deixa tocar até disparar o meu coração. Me deixa. Eu quero afundar nas minhas verdades, nas coisas que eu nunca deixei de acreditar, quero perder a voz, perder teu telefone, deixar que a tua vida escape por entre as minhas mãos que nunca, sequer, conseguiram alcançar as tuas, tão perto, tão longe.
Mas agora eu preciso desligar, tá tarde, e eu já não sinto mais nada, já não penso, não vejo, só não esquece de respirar, tá? Tem alguém aí?

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Fazendo sala.

Horóscopo nunca funciona nessas situações. Você vai sempre se sentir perdido, esquecido, sozinho. Não adianta procurar em livros de auto-ajuda, na psicologia, e nem em ombro amigo. É um problema só seu e você aprende a lidar com ele um dia, quem sabe. Isso pra quem for muito visceral, senão, se contente com o frio na espinha. Porque é sempre assim: ou coma ou serás comido (sexualmente falando, talvez). E nem me venha com misticismo, incensos, conversinha fiada sobre 'energia positiva' e aquele velho papinho de virgindade. Só te admito com muita sede, com exageros, urgências. Essa é a minha condição. Vodka sempre cai bem nessas situações, whisky é pesado demais e eu te preciso sóbria, lúcida, quero sentir tua respiração em sincronia com a minha, preciso estar sóbrio também, quero ter certeza de cada gota de suor da tua pele. Chega de brilhos baratos, de idealizar apartamento com 3 quartos, dois filhos, um cachorro, papagaio, marido sentado no sofá aos domingos tomando cerveja e chegando do trabalho antes das 7 horas da noite. CHEGA! Entende que na tua vida isso seria demais, tu não suportarias, cansarias rapidinho, lançarias todo dia pela boca aquele suco gástrico misturado com vodka e limão, tu serias infeliz, admite. Fala tudo, se assume, se entrega, me diz porque teimas em acreditar no inacreditável, no insuportável, no irremediável. Te aconselho olhar a vida com a tua essência, com a tua realidade-humana, olhar pra ti com teus próprios olhos, se aceitar assim, iludida, perdida, linda! Já te disse como a desgraça te cai bem? A tua vida é uma tragédia e isso é lindo, é arte. Te assume, mulher, acredita no relógio, pega o ônibus certo pelo menos uma vez na vida, e isso só vai acontecer quando reconheceres cada sinal do teu corpo, cada pêlo, cada cicatriz, ruga. Perdoa aqueles que não conseguem enxergar além do óbvio, perdoa as cobranças sem fundamento que ele te faz, perdoa teu esquecimento, tua falta de interesse, e diz pra ele a verdade, que ele não passou de uma piada ruim, daquelas que te faz rir baixo só pra não decepcionar, mas diz logo em seguida que tu és assim, que isso faz parte do âmago do teu ser e que tu sente muito por ele, por vocês, e diz também que assim foi melhor, usa aquele ditado seboso que diz: antes tarde do que mais tarde, ou de que nunca, tanto faz, foda-se. Explica, complica, sei lá, se vira. Cansa de perder tempo, acaba com essa vontade que pouco mudaria o rumo da tua vida, aceita as esquinas, as estrelas, o vazio. Ô, mulher, eu sou teu pensamento mais fraco, sou teu perigo, teu fim, o suicídio, a pior escolha no pior momento. Esquece de mim também, ri baixo como aquela piada sem graça, me leva menos a sério, sou igual a tu, e tô perdido também.