domingo, 10 de agosto de 2008

Fomos?

Domingo chuvoso, céu nublado, um sofá, almofadas, poeira, uns cds imorais numa instante antiga e duas vidas completamente distintas, ali, sentadas, confusas, cansadas. Compartilhando suas vontades, as mais íntimas, quem sabe, compartilhando alguns sonhos, algumas mentiras, compartilhando o sofá, a sala, o som. Dizer que eram vítimas do destino soaria clichê demais pra uma relação que fora friamente calculada pra ser e estar. Ali, sentadas naquele sofá. Tentativas frustradas de racionalizar as coisas, os copos, o outro. Melhor beber tudo de uma vez, engolir. Um mais interessado, o outro mais interessante. Um se entregando por entre as palavras que eram ditas sem querer, enquanto o outro se perdia por entre as partes desconhecidas do outro ser. Tão lindos, assim, vistos de longe. Não precisavam de mais nada, nem almofadas, cds, chuva, frio, nada. Só precisavam um do outro, e isso já tinham, de sobra. Talvez se tivessem até demais, não havia mais espaço pros dois, ali. Ou um ou o outro, ou os dois num só. Não sei o que decidiram. Mas imagino o que um escolheria, imagino. Não digo, íntimo demais pra algo que nem tenho certeza se sinto, nem se quero. Só dei das cores, do que elas me trazem, das vontades que delas nascem em mim, dos medos, e de algumas verdades verdes escondidas nas paredes da sala vermelha. Sei do cheiro, do dele, exclusivamente, dos pêlos, das ausências, das urgências que causo nele e que são causadas em mim. Sei do óbvio, do sentado, ali, no sofá, ao meu lado, calado, falando ininterruptamente coisas no pé de ouvido da minha mente tão mais presente. Quem diria que uma tarde aparentemente sem graça faria um bem enorme àquele espírito, àquele corpo que pensava estar perdido mas que se achou no Outro, no cheiro, no toque, no paladar, imaginar que fui quase-plena no plano mais simples do ser humano, nas circunstâncias demasiado estranhas, por entre a poeira e alguns cds imorais na estante. Eu fui.

Um comentário:

Laura Bourdiel disse...

Corroe-se as vezes sorrateiramente o relacionamento. As atitudes na constância da relação são um prolongamento da convivência, com seus defeitos e virtudes. Na maioria das vezes não se percebe certos detalhes próprios à condição e que as vezes não se dá a mínima importância, mas estão intrinsecamente ligadas às suas vidas, que se tornam impossíveis de suprimir. Mas há também as sutilezas do gênero; as nuances, os detalhes quase imperceptíveis, que são aquelas fatais perguntas que nos fazemos quanto ao parceiro.

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