domingo, 3 de agosto de 2008

01:43

Só restaram garrafas vazias e um cigarro prematuramente apagado. Nenhuma voz, apenas aquelas respirações fracas, aquele cheiro de vômito e algumas ressacas deitadas perto da piscina. Ninguém ali tinha alma, eram só as visceras, nada mais, nada além de distúrbios vasculares e respiratórios. Não tinham dignidade, tampouco vergonha. Os dias da semana serviam de descanso para eles, e os finais de semana um palco, para algo que nem sempre era recomendado para menores de dezoito anos, e nem para maiores: só para eles, e fim. Mantinham uma relação intersubjetiva indecifrável, um contato íntimo tão profundo, indescritível. Não chamavam de vida, chamavam manifestação, a manifestação do corpo, do desejo, e a religião era um tipo de neo-hedonismo, coisa estranha, nunca consegui decifrar. Pelo menos tinha certeza que eram bom no que faziam, parece que tinham nascido pra isso: a arte do prazer. E olhe que não é tarefa fácil, nem todos conseguem ter prazer como eles. As pessoas são duras, mecânicas, nem o sexo traz mais prazer, parecia mais um exercício pra diabéticos suarem. Porra, como desaprenderam a fazer sexo? Antigamente era tão prático, tão fácil, bastava algumas doses, alguém do sexo oposto (ou não) ali do lado, vontades, e um bom beco úmido e escuro. Mas hoje em dias as pessoas têm tanta pressa, tanto trabalho pra pouco dinheiro, tantas torneiras abertas para serem fechadas, luzes acesas esperando para serem apagadas, crianças perdidas deitadas esperando para serem cobertas por alguém que também queira contar histórias para elas dormirem, portas abertas, roupas sujas... e o tempo que parece muito é nada, parece até que é gasto em vão por entre os passos apressados, daqueles pés que pouco se encontram, dos neurônios que são queimados a cada piscar de olhos e menos. E a alma que ainda resta fica louca pra se pôr pra fora desses corpos cheios de engrenagens enferrujadas que esperam ansiosamente a chuva para se deitar. Queria ter nascido como eles, com vida.

2 comentários:

Ygor P. disse...

por um minuto achei que moravas em SP também...

Laura Bourdiel disse...

Como já dizia Clarice Lispector: "...O que me mata é o cotidiano. Eu queria só exceções."
Ótimo blog!


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