domingo, 8 de fevereiro de 2009

Os óculos.

Chegou muito cansada, passou a tarde inteira andando. Subiu as escadas correndo, e nem precisou tocar a campainha, estava tão ofegante que pude ouvir sua respiração do outro lado da porta. Abri sorrindo. Sempre sorria quando o assunto era ela. Incrível como aquela mulher me doía. Nem pediu licença pra entrar, mas também nem precisava. A minha casa era a sua casa. Eu era todo dela e nem questionava nada, nunca! Entrou e foi logo dizendo: nossa como o sol tá quente, no ceará os raios ultravioletas chegaram no ponto máximo de 14graus, e eu andei tanto hoje à tarde procurando aqueles benditos óculos redondos pra usar na festa, andei, andei, terminei que encontrei aquela minha amiga da época de colégio, tomamos um suco juntas e conversamos coisas de mulher, sabe como é, né? e aquele livro que tu me pediu, achei naquele sebo café&cia, mas o preço não tava em conta e o livro tava meio usadinho, mas peguei o cartão, assim que aparecer outro o rapaz falou que me ligaria, sim, preciso de um banho, tem comida aí? tem vinho? E o óculos, comprasse? Perguntei. Ah, sim! o óculos, hahahaha, comprei, comprei sim. Toda noite me pergunto como foi que ela me conquistou, me conquistou, me entorpeceu. Não consigo me desvincular, estou preso, fraco, não tenho motivação suficiente pra me separar dela, e nem quero. Não conseguiria acordar todo dia pela manhã sem vê-la ao meu lado na cama sempre mais preguiçosa do que eu, manhosa, deitada, me pedindo um café com leite ou suquinho de laranja, adoro o movimento que os lábios dela fazem quando ela fala suquinho. É, tirando o tempo que uso para pensar sobre Heráclito e Parmênides e sobre toda aquela teoria do movimento, aquele lance de Phýsis, cosmos, harmonia, deuses, grécia antiga e. Tirando todo esse tempo, o meu mundo gira em torno de outro mundo completamente oposto, giro em torno de uma impermanência vibrante, falante, colorida, intensa, visceral. Logo eu. Logo eu que transmito gratuitamente à ela toda a minha permanência, a minha presença, meus dedos e os braços, as pernas, os ouvidos, pescoço, garganta, língua, rins, fígado, pulmão e coração. E todas as veias, e tecidos, músculos e células. Minha alma. Todas as minhas memórias são dela. Toda lembrança, toda música, novelas, filmes, fotos, fatos. E não, não pensem que é algo unilateral, que só eu me doo. Eu sei, ela é toda minha também, ela não consegue se afastar, a casa dela sou eu, o ar que ela respira sai do meu nariz, o coração dela só bate após o meu, o equilíbrio dela? eu! Todo esse brilho que ela tem, toda essa vida, esse corpo duro e saudável é meu, é tudo por mim, o objetivo da vida dela sou eu. O mundo dela também gira em torno do meu, nos encontramos sempre nesse movimento circular constante. Nos entregamos, nunca resistimos ao charme do outro, a voz do outro, ao calor do outro. Ela é a minha arte, minha poesia, meu soneto, meu tom. Sempre que ela me chega, fecho os olhos sem medo. Eu sei o que me desperta todas as manhãs. A minha vida dorme ao lado.

2 comentários:

Laura Bourdiel disse...

Amores para a vida toda... ainda acredito nisso.
Lindo texto.


¡besitos!

Katarine Araújo. disse...

lindo,lindo,sei como é.